Criações Textuais ~ ElianoSantos
~ Prosa
• Sombras da Montanha
O Sol sai do palco, a lua entra em cena no espectáculo da noite. Com ela entram bailarinas cintilantes. No cenário, vêem-se automóveis a atravessar as estradas curvas e sombrias que contornam as serras cobertas de neve.
Entre uivos e sopros, o frio apodera-se da montanha. Através do alcatrão, passam viaturas com um andamento rápido com pressa para sobreviver àquele ambiente sombrio. Pelo silêncio aterrador da noite, ouve-se um barulho agudo, que ensurdece as pedras e faz tremer as árvores. O tempo parou. O silêncio volta a apoderar-se da situação, enquanto o asfalto absorve o líquido viscoso que sai dos corpos. O frio queimava a pele pálida, o vento transportava as lágrimas gélidas das nuvens.
A morte sentia-se na floresta, os lobos pareciam inquietos, as corujas apavoradas, as hienas choravam. A melancolia era geral. A fúria do ar gelado recolheu os espíritos, por fim.
• Perdido na rua
Quando os raios de sol se descobrem por entre os altos edifícios, a sombra nasce do chão e apodera-se das ruas movimentadas da cidade. Uma criatura passa despercebida, no meio da multidão. A face rude, o olhar triste, a barba suja, são escondidos pelo longo cabelo preto que reflecte o asfalto da rua. A pele é escurecida pela poeira transportada pelo vento, e coberta pela roupa imunda e rota. O desespero fere-a como cortes profundos. Vagueia pela avenida, para sobreviver com aquilo que encontra, que vê pelos cantos. Tenta esquecer que o tempo existe. A cada pessoa que passa, estende a mão num gesto lento, faz um sorriso triste, um olhar melancólico e espera uma dádiva caridosa. A sua insignificância torna-a invisível, inexistente. Só os passeios a conhecem.
Quando a noite chega, por fim, a cidade é sua, fica vazia e só. Tenta, então, encontrar um sítio para adormecer e passar a noite. Um banco de jardim? Uma janela de igreja? Uma escada? Ou até o próprio chão, frio e cruel?
• Reflexões Nocturnas
Caíra a noite. A vila entre as montanhas acolhia a luz da lua e o brilho das estrelas. Nas ruas, os candeeiros velhos, antigos, já suportavam a ferrugem de décadas. Iluminavam a terra calcada do caminho e as casas baixas e brancas, cobertas de vasos, uns quebrados, outros já com plantas mortas, o telhado inclinado para a porta da frente, que tocava na rua sem passeios. O ambiente rural estava sossegado, o silêncio abafava o som de alguns animais nocturnos que por vezes passavam.
Na casa do fundo, vivia um rapaz alto, cabelo negro, escuro. Era um jovem normal, de dia ia à escola, via os amigos e aprendia, coisa que gostava bastante. Era inteligente e perspicaz. Os olhos pretos, lúgubres, estavam agora abertos. O seu corpo pousado horizontalmente na sua cama de madeira, a cara virada para o tecto sujo. Não tinha sono. À noite, como habitual quando não havia vontade de dormir, deitava-se e reflectia. Pensava na sua vida, pensava na vida em si. Interrogava-se como tudo estava avançado. Lembrava-se do café do Mateus, na sua rua, que agora possuía um telefone a sério! Era grande, mas funcionava e executava bem o seu uso. Dava para ligar para Lisboa, para o Algarve, zona muito longínqua daquela vila do Norte, ou até para o outro lado do mundo. Recordava esse facto maravilhado, pensava na possibilidade daquilo acontecer. "-Como?"
No entanto, passados uns segundos, ele começou a pensar num assunto que o aterrorizava brutalmente: a Morte. Iniciou por pensar como tudo tinha um fim, que depois de morrer tudo era vago, ele não pensaria, não conseguiria ser ele, desaparecia. Viu na sua cabeça esse estado. Estava já em pânico. O seu ar interrogativo, passara bruscamente a um ar muito assustado. Soltava gritos surdos, não lhe saía a voz. Uma breve dor passou-lhe pelo corpo. Queria fugir, queria correr, estava num estado completo de fobia. Precisava de se libertar daquilo. Pensou rapidamente em tudo o que podia de positivo: os seus amigos, a sua família, mas isso, decidia para si que, desaparecia quando morresse. Na aflição, tentou encontrar algo que enfrentasse aquele medo, uma esperança, uma fé. Não acreditava em entidades divinas, era uma pessoa demasiado lógica para isso, sabia que teríamos o mesmo fim que um animal qualquer, um lugar vago, o nada. Teve de encontrar outra convicção em que acreditasse. Surgiu-lhe, então, a medicina. Esta área havia evoluído muito nos últimos anos e era algo para ele muito importante. Apareceu a esperança, tinha fé de um dia poder descobrir uma forma para não morrer, talvez uma forma com que tudo continuasse jovem. Se não fosse ele, seria alguém, reflectia. Será pecado acreditar em algo tão sublime, tão impossível de alcançar? Todo o pânico passara. Estava mais calmo. Nesse momento, só conseguia pensar em tentar dormir, para tudo se recompor. Já estava a pensar há algum tempo, o tempo passara depressa. O silêncio cobria o quarto e nada se ouvia. Adormecera.
~ Poesia
• Luz
O brilho dos raios gélidos, frios
Percorre o caminho da escuridão
Caminhos das trevas, sombrios
Um lugar vago, sem cheiro, sem som.
A luz, fúria do branco puro,
Ilumina esse sítio imundo
Preenche todo o vazio, todo o escuro,
Termina com o penoso fundo.
Parou. Agora tudo parece real.
As cores discriminam as formas, formam relevos,
Reflectem a luz, afastam o mal
Destacam a vida, dispersão os medos.
O oculto revela-se, tudo aparece
O negro esconde-se, sem demora,
A frescura das chamas prevalece
Tudo se avista, uma aurora.